Luanda - O Tenente Katumbangala era um destemido combatente das extintas FALA, o braço armado da UNITA. Foi dos primeiros comandos treinados pelos sul-africanos em 1979. O treino de comandos era extremamente duro, exigente e não era para qualquer um. Mas Katumbangala destacou-se e deixou a sua marca.
Fonte: Club-k.net
Apesar de não ter convivido de perto com ele, admirava-o bastante. O meu respeito por ele era enorme. As suas histórias de heroísmo chegavam-nos à retaguarda, principalmente pela boca dos feridos de guerra, que o tinham como um homem corajoso, disciplinado e organizado. Exigente para consigo mesmo e para com os seus subordinados. Foi daqueles que nasceram mesmo para serem comandos. Era estiloso. Transportava a pistola quase ao joelho, com uma postura única. Não sei quem cintava a sua farda. Caía-lhe muito bem. Dizia-se que foi temperado no musseque do Sambizanga. Foi um dos jovens que saíram do Bailundo para viver em Luanda, no tempo colonial. Segundo o General Isidro Wambu, Katumbangala gostava de contar histórias da sua juventude em Luanda, falava com gosto das gangues do Sambizanga e gabava-se: “Ko Luanda te nda wanhanga...”. Também gostava de dizer: um comando tem de ter visão urbana.
Conheci-o na Jamba, na parada central do Batalhão de Instrução, o B.I. Ele praticava atletismo. Corria de forma pausada. Nas datas festivas como o 13 de Março (fundação da UNITA), o 3 de Agosto (nascimento do Dr. Savimbi), o 11 de Novembro (independência de Angola) e o 25 de Dezembro, durante o intervalo do jogo entre as duas melhores equipas da guerrilha, as Estrelas Negra e Vermelha, havia sempre provas de atletismo. E então, Katumbangala brilhava. E o povo, ao avistá-lo ao longe, aplaudia e gritava em uníssono: Katumbangala... Katumbangala... Katumbangala! E ele, com cara de limão, mantinha-se concentrado, para não ser ultrapassado.
Na verdade, Katumbangala era mais do que um comando especial. Era uma lenda viva entre nós, os jovens estudantes nos tempos do Liceu Nacional da Jamba. Nas missões mais arriscadas, não delegava. Passava à frente dos seus intimoratos soldados. Apenas dizia: ñwami... (sigam-me). Infelizmente, em 1988, durante uma acção de reconhecimento profundo na região da confluência dos rios Cuito e Cuanavale, foram surpreendidos por uma patrulha combativa das FAPLA, o exército da então República Popular de Angola. Ficaram cercados. Não levantou as mãos. Optou pela ruptura, concentrando o fogo num dos flancos para romper o cerco. Foi nesse momento que foi atingido.
Ao perceber que corria o risco de ser capturado com vida, fez um sinal aos seus companheiros, que significava: “Vão, vão...” Mesmo ferido, resistiu, fazendo rajadas curtas. Lançou algumas granadas de fumo, o que permitiu a retirada dos sobreviventes. Quando viu que a captura era certa, retirou a pistola do coldre, olhou pela última vez para os seus homens que batiam em retirada... e disparou contra si próprio. (Assim tombava um dos melhores comandos especiais que a nossa geração conheceu.)
Em conversa com o Brigadeiro Osório Kavita, à época chefe das operações da Companhia Motorizada de Desembarque e Assalto (CMDA), e que testemunhou a chegada dos sobreviventes à base, contou-me que os soldados relataram tintim por tintim o ocorrido e juraram seguir o exemplo do seu comandante.
Conquistada a paz, nós, os sobreviventes desta epopeia, temos o dever de honrar a memória destes bravos combatentes da liberdade, que deram as suas próprias vidas na defesa da causa de Mwangay.
A nossa história é o nosso passado. Renunciá-la é o mesmo que trair os nossos heróis.
Voltarei...
Luanda, 06 de Setembro de 2025 Gerson Prata