Luanda - Na aldeia dos nossos avós, contava-se uma parábola: um caçador que não sabia distinguir o rasto da gazela do da hiena acabava sempre a comer ossos secos. A sabedoria dos antigos já dizia que quando se entrega o cajado da liderança a quem não tem mão firme, o rebanho não só se perde como ainda se vende ao lobo. Pois bem, Angola parece ter vivido essa fábula em carne e osso ao entregar o cetro da Justiça ao agora demissionário presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo.
Fonte: Club-k.net
O vídeo divulgado pelo portal Club-K não é apenas um flagrante de viaturas rebocadas, duas Toyota Land Cruiser VX, compradas há sete anos sem pagamento. É a cena perfeita para uma tragédia grega moderna: o magistrado-mor, que deveria ser o guardião da lei, a ser desnudado por dívidas banais. Imaginem Aristófanes, o grande comediógrafo da Grécia Antiga, a escrever essa peça: em vez de deuses a cavalgar nuvens, veríamos guinchos metálicos de reboques, levando carros de luxo como oferendas para a praça pública.
A ironia é que Joel Leonardo, durante anos, encarnou a figura de juiz supremo, mas na realidade parecia mais próximo de um personagem de Ésopo, aquele que vende gato por lebre, acreditando que ninguém percebe. Só que, como dizia outro provérbio dos mais velhos: “a mentira pode correr mil léguas, mas a verdade só precisa de um tambor para ser ouvida em toda a aldeia”. E o tambor, neste caso, foi o vídeo que o expôs.
O que mais inquieta não é apenas a queda em si, mas a escalada. Como chegou ele ao trono da Justiça? Foi o Presidente da República, enganado como Ulisses diante do canto das sereias, incapaz de resistir a um falso encanto? Ou terá sido apenas vítima do casting mal feito pela secreta angolana, que muitas vezes parece mais inclinada a montar peças de teatro político do que a garantir a estabilidade da República?
Aqui a fábula cruza-se com a tragédia: Têmis, a deusa da Justiça, deve estar a rir com ironia amarga. Pois, em vez de balança, em Angola muitas vezes a Justiça parece medir com régua torta, ajustada ao interesse do poderoso da vez. Joel Leonardo não era um raio isolado; era parte de uma tempestade anunciada. Se a sua autodemissão abre espaço para expor os podres, então preparemo-nos para assistir à procissão dos que cairão com ele.
Na filosofia grega, Sócrates dizia que a vida não examinada não vale a pena ser vivida. Pois aqui, talvez devamos dizer: a Justiça não examinada não vale a pena ser defendida. Porque se o mais alto magistrado se deixa enredar em práticas que fariam corar até um gatuno de esquina, que confiança sobra ao cidadão que, por roubar uma galinha, acaba a passar noites frias no calabouço?
O futuro de Joel Leonardo pode bem ser o mesmo que muitos dos que ele ajudou a condenar: um lugar na cadeia de São Paulo. Não será ironia poética? O juiz a provar da sua própria sentença, o guardião das celas a ouvir o ranger dos ferrolhos do lado de dentro. Um destino que, nas tragédias gregas, seria escrito pela mão das Moiras, as deusas do destino. Mas no caso angolano, foi escrito pela sua própria ganância, negligência e soberba.
Resta, por fim, a pergunta que ecoa tanto no pátio do soba quanto no salão dourado da política: afinal, a culpa é dos deuses que nos enviam líderes assim, ou é nossa por aceitarmos que eles se vistam com mantos de justiça enquanto escondem bolsos furados de vergonha?
No meio das cinzas desta tragédia, os mais velhos diriam: “quando o leão velho tropeça, até a hiena ousa rir”. Pois bem, a gargalhada está feita. Agora, resta ver quem mais cairá com ele, porque quando a muralha começa a rachar, raramente é só uma pedra que desaba.