Luanda — As contas bancárias dos tribunais em todo o território nacional permanecem bloqueadas por ordem do então presidente do Tribunal Supremo, Juiz Joel Leonardo, gerando uma crise sem precedentes no sistema judicial angolano. A medida, tomada cerca de três meses antes da sua renúncia oficial, está a impedir o funcionamento regular dos cofres judiciais e a emissão de precatórios pelas secções das comarcas.
Fonte: Club-k.net
Cofre da Justiça: De fundo legal a ferramenta de desvio
Aparentemente, Joel Leonardo bloqueou as contas para canalizar os valores diretamente para o Cofre Geral dos Tribunais (CGT), numa tentativa de centralizar todas as receitas judiciais. No entanto, essa decisão teve efeitos colaterais graves: cidadãos que depositaram cauções judiciais não conseguem reaver os seus valores, mesmo após o recebimento de novos Terminais de Pagamento Administrativo (TPA's) nos tribunais, como ocorreu no dia 3 de setembro.
Segundo fontes judiciais, o bloqueio tem causado prejuízos sociais profundos, afetando trabalhadores que aguardam o pagamento de indemnizações judiciais e crianças que dependem de pensões alimentares determinadas por sentença. Sem acesso aos fundos, os juízes das comarcas estão impossibilitados de autorizar os pagamentos, agravando situações de vulnerabilidade.
O bloqueio das contas não é recente. Joel Leonardo já havia alterado o modelo de gestão financeira, retirando a autonomia das comarcas e tornando-se o único interlocutor entre os tribunais e o Ministério das Finanças. Em vez de cada comarca lidar diretamente com a delegação do MinFin, passou a depender das instruções do Conselho liderado por Leonardo, que decidia quanto cada tribunal deveria receber.
A decisão de concentrar todas as receitas numa única conta do CGT foi justificada como uma medida de controlo, mas acabou por paralisar a gestão financeira dos tribunais da Comarca e da Relação. Um exemplo extremo é o da 2ª Secção da Sala do Trabalho da Comarca de Luanda, onde um cidadão tem por levantar cerca de seis milhões de dólares e está impossibilitado de fazê-lo devido ao bloqueio.
De acordo com a Lei n.º 5/25, que criou o Cofre Geral dos Tribunais, este é um fundo patrimonial com autonomia administrativa, financeira e de gestão, destinado a gerar e administrar receitas para o sistema judicial de Angola. A sua função principal é garantir o financiamento e a melhoria contínua das condições de trabalho nos tribunais. As receitas provêm essencialmente de taxas de justiça, venda de bens confiscados e doações ou legados.
Contudo, segundo o relatório da Procuradoria-Geral da República enviado ao Presidente João Lourenço, Joel Leonardo usou o CGT para proveito pessoal através de um esquema complexo, com a colaboração do novo PCA do Cofre, Artur Alfredo. A investigação aponta que Leonardo transferiu ilicitamente mais de 1.2 mil milhões de kwanzas para uma conta do Tribunal Supremo, alegadamente para pagar empresas próximas a si. Foram também identificadas transferências mensais de 3 milhões de kwanzas para a sua conta pessoal e 1.5 milhões para o seu primo Isidro Coutinho, como “salários” por funções inexistentes, já que o Cofre ainda não estava legalmente constituído. O esquema envolveu ainda o pagamento de despesas privadas, como taxas de condomínio no Condomínio Vila Mar, com fundos do Tribunal Supremo.
Juristas e membros da sociedade civil alertam para o risco de colapso institucional, acusando o ex-presidente do Supremo de ter centralizado decisões financeiras sem consulta adequada, o que pode configurar abuso de poder e gestão danosa. A Procuradoria-Geral da República já está a analisar o caso.